Inadimplência: não cobre mensalidades em atraso, desenvolva relacionamentos
Costumo dizer que trabalhar na gestão financeira de Escola da Educação Básica é um privilégio pois, é um ofício que exige de seus obreiros, além de ampla capacitação técnica, sensibilidade e muita empatia.
Na Escola, ainda que em funções administrativas, nos deparamos com situações de grande complexidade envolvendo relacionamento humano e negócios.
É na Escola que nossos alunos vivem suas primeiras alegrias e frustrações. É onde todos nós, pela primeira vez, nos encontramos com o mundo e descobrimos que nosso jeito falante e agitado precisa se acalmar. Onde nossa timidez precisa ser ousada. Onde nos frustramos com as primeiras notas baixas e algumas áreas do conhecimento e vibramos com outras notas máximas. Onde descobrimos como somos diversos e, começamos a entender que o pensar diferente do outro me ajuda no processo de aprendizagem.
Neste ambiente, também estão presentes outras situações: problemas conjugais, questões de saúde, desemprego, problemas empresariais, pressões sociais, óbito, e tudo isto, vez ou outra, se reúne com o financeiro da Escola para negociar.
Todas as razões citadas são fatores que podem e contribuem para a situação de inadimplência de nossas famílias. Raros são os casos de famílias que, conhecendo as limitações legais de ações de cobrança de atrasos de mensalidades, se valem desta impotência para não pagar, ou postergar seus acordos para o final do ano, quando temos a prerrogativa de não renovar os contratos educacionais em função do inadimplemento.
Contudo, mesmo nos casos de infortúnio, percebemos que sempre há espaço para negociação. Por natureza, todos nós, vamos dar mais atenção ao que nos incomoda, ao que nos tira de nossa zona de conforto. Nos resta então, desenvolver relacionamentos, conhecer a situação de cada uma de nossas famílias e manter uma frequência de diálogo que nos permita estabelecer acordos e nos manter entre os mais importantes compromissos financeiros de nossas famílias. Educação é o maior legado que deixamos para nossos filhos, e é sobre a transmissão deste legado que estamos falando.
Entendida as especificidades de nossa cobrança e a necessidade de criar um fluxo de ações que conduzam à sustentabilidade de nosso fluxo de caixa, minha indicação é que se aplique conceitos de CRM em nossa gestão.
CRM é uma sigla da língua inglesa que significa “costumer relationship management” ou, em tradução livre, gestão de relacionamento com clientes.
Refere-se a um modelo de gestão de relacionamento, usado em estratégias comerciais, estratégias de marketing digital, por exemplo, que se mostra totalmente aplicável em nossas cobranças, cujo objetivo é gerir vínculos com nossas famílias.
Uma modelagem de relacionamento com tempos, tons e formas de comunicação, que nos aproxima dos devedores e propicia disciplina do fluxo de pagamentos.
O primeiro passo é a criação de uma régua de relacionamento. Chamamos régua de relacionamento o padrão de comunicação que iremos estabelecer com nossas famílias. A frequência com que enviaremos comunicados, o tipo de texto que vamos utilizar e as possíveis sanções que serão aplicadas na continuidade do inadimplemento.
Uma boa prática é iniciar o relacionamento de cobrança antes mesmo que o atraso aconteça.
O boleto, enviado por e-mail ou algum canal eletrônico (particularmente sou contrário ao envio por correios devido ao custo, atrasos e a questões ambientais), deverá ser remetido com razoável antecedência, ter título adequado e mensagem que deixe claro a que se refere o boleto, informando vencimento e sanções por atraso. Não obstante, às vésperas de vencer e/ou no dia do vencimento, considero importante uma segunda mensagem relembrando o compromisso.
Vencido o boleto e não liquidado, é importante agir com rapidez. A comunicação de parcela em aberto deve acontecer dois dias após a data prevista para a compensação do título. Seu texto deve ser simples e cordial. Muitas famílias se atrasam por esquecimento e, sendo esta a primeira mensagem, aquela que abre nossa comunicação, precisamos estabelecer empatia.
Após 5 dias de atraso, prazos que devem ser ajustados de acordo com a disponibilidade de caixa de cada escola, sugiro que seja feito um telefonema. Neste segundo contato é importante verificar se o responsável financeiro recebeu o e-mail, validar a base de dados. Informar que ainda não foi identificada a liquidação dos títulos mencionados e solicitar a quitação. Feito isto, espera-se ter obtido êxito na negociação, é importante mandar um segundo e-mail, registrando o contato telefônico, anexando o boleto de acordo com a negociação realizada. Recomendo cautela para uso de cartão de crédito e indicação de depósito direto em conta corrente.
Nesta fase teremos eliminado os inadimplentes por distração, mas, ainda resta trabalho a ser feito. Sempre que o contato telefônico não for possível, podemos recorrer ao WhatsApp.
Após 15 dias de atraso, precisamos fazer mais um contato, um e-mail mencionando contatos anteriores e informando a importância dos pagamentos em dia para a saúde financeira da instituição. Nesta fase é importante introduzir na mensagem elementos técnicos que remetam à existência de um contrato assinado que regulamenta as relações e estabelece as obrigações e contrapartidas entre a Escola e o responsável financeiro.
Permanecendo valores pendentes de liquidação, é importante mais um contato com a família. Recomendo que se faça, após 20 dias de atraso, novo telefonema. Neste contato deve-se informar o valor atualizado da dívida, propor data para liquidação e acrescentar a possibilidade de novas sanções caso a situação se prolongue por período superior a 30 dias. Uma boa prática é não permitir a contratação de serviços extras, como forma de contenção da evolução da dívida.
O próximo contato deverá informar sobre a possibilidade do encaminhamento da dívida para assessoria jurídica, apontar valores atualizados da dívida, que se acrescidos de honorários elevarão ainda mais.
Vencido o prazo indicado como data limite para quitação e persistindo o inadimplemento, observando o estabelecido no contrato educacional, comunicar o envio da negociação para e bloquear novas contratações.
Estas e outras ações, que podemos elaborar ou adequar de acordo com a realidade de cada instituição, só serão eficientes se mantiverem sua cadência. É nossa disciplina em cobrar que vai nos manter vivos na memória de nossas famílias no que diz respeito a importância deste compromisso financeiro. Apesar da mudança de tom a cada nova mensagem, os textos e contatos devem ser sempre elegantes e abertos à negociação.
Outro fator condicionante do sucesso da modelagem de cobrança é a escolha do profissional que irá executá-la. Deve ser alguém com boa oratória, resiliente, habilidoso com planilhas e conhecedor dos princípios básicos de matemática financeira. Deve ser hábil em estabelecer vínculos com as famílias devedoras, alguém em quem o responsável financeiro respeite tecnicamente e se sinta acolhido. Hábil em fazer negociações.
Para este profissional, estabeleça metas de inadimplência máxima, compatíveis com o fluxo financeiro da Escola e reconheça resultados que superem a meta estabelecida.
Outras considerações importantes: seja disciplinado em sua cobrança e discipline suas famílias.
Não deixe para cobrar no momento da renovação de matrícula. Recuperação de ativos deve ser atividade diária.
Cumpra o que foi estabelecido nos comunicados, se informou a suspensão da contratação de novos serviços extras até a liquidação da pendência: suspenda.
Se a cobrança foi encaminhada para o jurídico, não receba pela Escola e se o fizer não abra mão dos honorários que serão repassados à assessoria.
Bolsas e descontos comerciais devem ser condicionados à liquidação tempestiva das mensalidades.
Juros e multas são importantes para disciplinar. Podem e devem ser usados como ferramentas de negociação, mas nunca totalmente isentos. Seria um desrespeito com os pagantes regulares e, tecnicamente, uma inadequada gestão de recursos financeiros.
Débitos grandes podem ser parcelados, devem ser corrigidos e preferencialmente liquidados dentro do exercício.
Nunca conceda descontos no valor principal ou estabeleça bolsas retroativas.
Não renove matrícula sem ter acordo formal que permita a execução do débito.
Seja sempre firme no mérito, mas, sempre suave na forma. Conforme já dito, a gestão financeira de um educandário, por sua complexidade, multiplicidade de relações e sentimentos deve ser, penso eu, como um Pai austero. Sempre exigente em suas observações (profissionalismo), sempre aberto à escuta e acolhida (humanidade).
Wallace Morato é Diretor Financeiro e de Tecnologia na Escola Beit Yaacov e foi palestrante no GFin – Fórum Nacional de Gestão Financeira.
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