Como a IA influencia a maneira como enxergamos o mundo - e como isso impacta na educação?
Escolas devem preparar os estudantes para lidarem com a inteligência artificial, que consiste em uma nova mediação tecnológica do ser humano com a realidade
Por Alexandre Le Voci Sayad
A inteligência artificial (IA) tem sido muita debatida na sociedade, na mídia e no ambiente acadêmico. De fato, esse assunto tem grande relevância, e muitos autores já a consideram uma tecnologia de impacto sistêmico. Isso significa que não se trata de algo passageiro, mas de caráter estruturante.
A IA possui um modos operandi próprio, ela é uma linguagem que está transformando muito a maneira como nos relacionamos e construímos conhecimento. No fundo, ela é uma nova mediação tecnológica do ser humano com o mundo, assim como foram o rádio e a televisão. E, como toda mediação, ela produz um impacto ético nas nossas vidas.
Na educação, um dos principais efeitos é na formação e no desenvolvimento do pensamento crítico -- esse, inclusive, é o tema do mestrado que eu fiz. Podemos dizer que o pensamento crítico consiste em olhar para o mundo – como ler ou consumir arte, por exemplo. E, em vez de simplesmente emitir uma opinião, nós pesquisamos, analisamos e comparamos informações até chegarmos à uma conclusão sobre determinado assunto e nos posicionarmos a respeito.
E vale lembrar que a IA é sempre uma visão parcial sobre algo, uma vez que todo algoritmo é um ponto de vista sobre alguma coisa e não um olhar total. Como parte de um recorte, ela traz um pedaço da realidade, e isso influencia a maneira como enxergamos o mundo. Se as pessoas não têm ferramentas para entender o que é IA, como ela funciona e quais seus impactos, dificilmente elas vão conseguir ter um olhar crítico para ela.
Por exemplo, compreender as bolhas de informação, como os algoritmos de recomendação nos restringem a determinados ambientes, como eles já são usados hoje para analisar processos judiciais, como funcionam os chatbots que, inclusive, já estão sendo usados para atendimentos psicológicos.
Benefícios e impactos éticos da IA na educação
No ambiente escolar, a IA pode utilizada usada de diversas maneiras. Na gestão, ela traz muitos benefícios, como ajudar a identificar segmentação de público e endereçar comunicações para futuros clientes. No âmbito pedagógico, é possível detectar dificuldades de aprendizagem dos estudantes por turma ou disciplina. Um grande uso hoje tem sido na personalização do ensino, em que o professor consegue oferecer para cada aluno a maneira como ele melhor aprende cada disciplina. Mas tudo isso traz uma série de implicações éticas.
No que diz respeito à gestão, é preciso pensar a governança de IA dentro da instituição. Ela inclui uma série de aspectos, como transparência algorítmica, a não-discriminação, a proteção de dados além do que está na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), principalmente de crianças e adolescentes. Esses pontos precisam estar incluídos em um projeto de governança escolar.
Se olharmos para o âmbito pedagógico, aí considerando o professor e a sala de aula, a IA vai forçar uma transformação na escola com relação ao que se aprende. Eu acredito que ela vai potencializar aquele princípio de que não é preciso ficar mais tão preso aos conteúdos, mas saber onde encontrá-los. E como desenvolver habilidades para lidar com informações que chegam, cada vez mais prontas e empacotadas. Por exemplo, análise crítica para identificar a veracidade das informações, suas fontes e a possibilidade de plágios.
Ainda na esfera pedagógica, outro grande efeito da IA é na avaliação. Os sistemas avaliativos terão que mudar para medir outras competências além de conteúdos, como o desenvolvimento de habilidades digitais, socioemocionais e valores éticos. Essa já é uma mudança que a escola está vivenciando há um tempo, mas de uma maneira muito vagarosa. Se seguir nesse ritmo, ela vai se tornar obsoleta e deslocada muito rapidamente, porque a IA se desenvolve exponencialmente.
Chegando ao nível do aluno, sabemos que ele está em contato com a IA o dia inteiro. E a grande questão é como a escola pode prepará-lo para lidar com essa ferramenta. Nesse sentido, a educação midiática é fundamental. A própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC) já aponta nesse sentido.
Educação midiática e a formação de professores
Eu acredito que o grande salto é desenvolver a educação midiática, sobretudo, nas redes públicas de ensino, para que os alunos possam ler, analisar, contextualizar e produzir informação nesse ecossistema complexo em que vivemos. Ele é complexo sob muitos pontos de vista – da desinformação, do tempo de tela, dos algoritmos que nos prendem nos reels...
O princípio da educação midiática é aumentar a consciência dos estudantes sobre a IA e como ela funciona. Ainda estamos muito mergulhados em um pensamento que considera a IA meio mágica, mas é preciso entendê-la como um sistema estatístico de probabilidade -- o que, na verdade, ela é. A partir daí, como lidar com esse sistema estatístico e entender como ela influencia nosso dia a dia, como o algoritmo nos conduz pelas redes sociais e como podemos amenizar seus efeitos.
Isso tudo faz parte de uma alfabetização, de um novo letramento – podemos até destacar o letramento logarítmico, um campo da educação midiática. E isso tem que chegar até os alunos.
É importante sublinhar que a educação midiática não precisa ser mais uma disciplina na grade curricular, mas um conhecimento transversal. Isso, no entanto, exige professores preparados.
Assim, eu acredito que a chave de conexão para resolver pelo menos parte dessas questões é a formação continuada dos profissionais. No caso do professor, a formação inicial que tem que ser reformulada, e a continuada tem que dar ênfase para isso. Só assim começaremos a nos preparar de fato para essa realidade que tem a IA como uma nova mediação.
Alexandre Le Voci Sayad é apresentador do programa Idade mídia do Canal Futura e consultor em educação midiática da Unesco, em Paris e em Montevidéu. Ele vai falar sobre “Como a IA impacta a formação e o desenvolvimento do pensamento crítico” no GEduc 2025.
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