ARTIGOS
Inovação/Tecnologia
A doença da Internet
O vício da Internet pode ser descrito como uma desordem patológica associada ao uso compulsivo e descontrolado das interfaces mediadas pelas tecnologias digitais. Ainda que não envolva a ingestão explícita de uma droga intoxicante, as reações dos usuários são muito similares e próximas também das compulsões patológicas por jogos de azar.
Alguns dependentes do uso abusivo da Internet desenvolvem vínculos com os novos ambientes a ponto de transferirem integralmente seus espaços de convívio social às comunidades virtuais, substituindo quase que completamente seus conjuntos de relacionamentos anteriores. Os sinais que evidenciam a síndrome se caracterizam por preocupações cada vez mais centradas na realidade virtual mediada, transformando em meros intervalos as eventuais interrupções entre uma sessão na Internet e a próxima. Assim, da mesma forma que a satisfação e a perspectiva de felicidade se condicionam ao acesso, a diminuição de uso da rede se transforma em possibilidade de irritabilidade, ansiedade, depressão ou mesmo pânico.
O quadro geral acima deveria ser assustador. Não é simplesmente porque a maioria, de alguma forma, se identifica com ele. Como, por suposto, todos nos achamos normais, o contexto ajuda a considerar natural algo que, definitivamente, não deveria ser. Em outras palavras, o primeiro passo em direção a uma possível solução ou controle racional dos impactos é, a exemplo de outras síndromes, a constatação realista do evidente problema e seus desafios em todas as suas dimensões.
Estamos no limiar do ingresso definitivo em uma sociedade onde a informação estará totalmente acessível, instantaneamente disponibilizada e gratuita. Isso terá como resultado radicais transformações em todas as esferas de nossa vida cotidiana, incluindo trabalho, educação e na forma geral como nos relacionamos. Registre-se que temos uma possibilidade ímpar de, pela primeira vez, podermos conjugar qualidade com quantidade, provendo a uma imensa maioria inédito acesso a produtos, serviços e oportunidades gerais. Exatamente pelo potencial de uma inclusão social e o risco de uma exclusão, ambos sem precedentes, é que as ações em curso hoje são tão determinantes. Estamos no apogeu da dinâmica dos processos de transformação, exatamente onde a ação ou a inação deixarão marcas profundas nos cenários seguintes.
Da mesma forma que o surgimento de nossa espécie teve no uso sofisticado da mão uma particularidade, moldando nosso desenvolvimento e postura, as chamadas doenças digitais posturais marcam esta nova transição, especialmente dores nas costas e no pescoço, e alterações na curvatura anormal para frente na região do tórax. Considerando que muito brevemente os celulares estarão integrados de forma permanente e definitiva ao corpo, os riscos e as consequências serão agravados.
Há quem aponte que atualmente, pelo menos, 10% dos brasileiros poderiam, à luz dos critérios acima descritos, ser classificados como vítimas da dependência digital. Esse percentual deve ampliar exponencialmente, atestado também pelo surgimento rápido de várias clínicas especializadas em reabilitação digital. Por enquanto, os tratamentos se baseiam em terapia, intervenção familiar e remédios, se necessário. Em geral, adotam tratamentos baseados em (des)exposição gradual às mídias digitais, buscando recuperar o autocontrole no uso.
Enquanto humanidade, temos, a partir do uso consciente e racional das tecnologias digitais, possibilidades ilimitadas de desenvolvimentos econômico, social e ambiental sustentáveis. Igualmente, tais recursos permitem atingir, pela escala impressionante que viabiliza sociedades mais justas e igualitárias em termos de oportunidades. No entanto, há que se debater de forma lúcida e transparente o quadro atual e os cenários que se avizinham. Especialmente em um país como o Brasil onde, por um conjunto de circunstâncias específicas, resultamos em um povo com forte apreço por novidades tecnológicas e com competência singular no uso positivo dos espaços virtuais.
Ronaldo Mota é Reitor da Universidade Estácio de Sá