ARTIGOS
Gestão Educacional
A Educação Básica Pós Pandemia
Embora as pandemias tenham sido um flagelo trágico nas cidades, estas também induziram a diversas alterações nos modi operandi das instituições. No século XIV, a peste bubônica afligiu a Europa e matou, pelo menos, um terço da população; consequentemente, levou a drásticas melhorias urbanas evidentes no período do Renascimento. Os habitantes das cidades passaram a se preocupar com questões de higiene e, assim, limparam os alojamentos até então esquálidos e apertados, desenvolveram instalações de quarentena destinadas aos enfermos, abriram espaços públicos com maiores dimensões e melhor ordenamento, além de valorizar aqueles profissionais com conhecimentos especializados, desde pesquisadores aos arquitetos.
Da mesma forma, o século XVIII foi assombrado pela febre amarela; subsequentemente, o século XX foi marcado pelos surtos de cólera e varíola. Ambas ocorrências catalisaram inovações urbanas vigentes até os dias atuais: construção de avenidas largas, preocupação com saneamento básico, instalações hidráulicas internas às edificações, além do mapeamento das doenças e a redução da aglomeração populacional por meio do espraiamento da zona urbana.
O século XX também fora marcado por doenças que assolaram as cidades, como a tuberculose, a febre tifóide, a poliomielite e a gripe espanhola, sendo esta última comparada ao momento que vivenciamos no ano de 2020. Os acontecimentos estimularam o planejamento urbano, a limpeza dos assentamentos urbanos informais, as reformas em prédios públicos, a gestão de resíduos e, em maior escala, o desenvolvimento do Movimento Modernista veio carregado de ideais minimalistas com enfoque na concepção de espaços arejados, zoneamento urbano marcado pela segmentação dos usos - separando residências e instalações industriais por áreas, por exemplo -, indução ao uso de superfícies mais limpas e estímulo à preocupação com o asseio bem como a ênfase às vantagens desempenhadas pela iluminação e ventilação natural.
Assim como em momentos anteriores, é evidente que o Coronavírus terá - e já está tendo - um efeito igualmente profundo no mundo construído na atualidade. As noções acerca do estado de normalidade foram afetadas e aqueles que vivem nas grandes cidades assumiram uma nova forma de se relacionar entre si e com o espaço, evidenciando a emergências de transformações. Este processo de mudanças vem afetando diversas áreas atinentes ao cotidiano das pessoas, principalmente no que se refere à educação, sendo este o pano de fundo do presente texto.
Com as ocorrências, houve a imposição do chamado homeschooling para crianças, adolescentes e adultos darem prosseguimento às aulas, sendo este realizado conforme a organização e a infraestrutura desenvolvida por cada instituição gerando casos de sucesso e insucesso. Neste momento, a população paulista, por exemplo, se encontra em medidas de isolamento; portanto, as atividades educacionais que se restringem ao uso do computador, eletrônicos gadgets e afins, adaptaram-se para ocorrer dentro das residências de cada aluno e professor trazendo à tona a adaptação do lar no abrigo às atividades relativas a este fim. Este movimento evidencia a capacidade adaptativa da educação dentro da escala da residência, onde espaços, até então utilizados para desempenhar funções corriqueiras, estão sendo utilizados como mesas de salas de aulas e funções afins.
E, após o período de isolamento, as atividades e os espaços destinados ao uso educacional precisarão ser repensados – tanto aqueles já concebidos como os que ainda serão – para que se enquadrem no “novo normal”. Ainda não há comprovação científica, mas nota-se que a individualidade – traduzida na conjuntura atual como isolamento - será fator colocado como essencial para esse novo contexto, já que o adensamento dos espaços são indevidos e estimulam a propagação viral. Além desse aspecto, muitos outros foram colocados como essenciais, como a necessidade de incremento no uso da iluminação e ventilação natural, estímulo à construção de edifícios saudáveis, além de medidas que envolvem a escala externa às atividades e aos edifícios das escolas.
Assim, vale destacar os principais desafios que as escolas terão que enfrentar para receber alunos nas suas dependências pós pandemia, sendo que o presente texto aborda os cuidados e atenções pedagógicas destinada aos alunos da Educação Básica, desde o Ensino Infantil até o Médio. Para este fim, vale compreender as especificidades dos três estágios escolares considerados, os quais correspondem ao currículo da educação escolar brasileira, sendo este composto por:
-
Educação básica;
-
Ensino Fundamental;
-
Ensino Médio.
De acordo com Simielli (2007), quanto à Educação Infantil, sabe-se que esta compreende a primeira fase da educação básica e seu objetivo é propiciar às crianças, até os 6 anos de idade, um desenvolvimento apropriado em todas as necessidades existentes, como cuidados com o corpo, o intelecto, o social e o psicológico. Assim, tem-se como ferramenta a forte relação com os familiares e com toda a comunidade do entorno. A educação infantil é realizada em creches, até 3 anos, e pré-escolas, entre 4 e 5 anos de idade.
Já o Ensino Fundamental tem caráter obrigatório; enquanto a Educação Infantil é facultativa, possibilitando a escolha dos pais. Atualmente, o ensino fundamental é composto por 9 etapas, chamadas de séries, que correspondem aos diversos níveis da educação. Por conta de alterações estruturais realizadas pelo Conselho Nacional de Educação, o atual 1º ano no ensino fundamental corresponde ao último ano da pré-escola e o intuito principal dessa fase é realizar a finalização do processo de alfabetização, sendo que a exigência colocada para o ingresso das crianças se refere apenas à idade, de, no mínimo, 6 anos.
A grade curricular pertencente ao Ensino Fundamental é composta por diversas disciplinas, responsáveis pela inserção e expansão do conhecimento das crianças. As exigências mínimas para os alunos de 1º a 5º ano são: língua portuguesa, matemática, história, geografia, ciência, educação física e artes. Já, a partir do 6º ano, há a inclusão de línguas estrangeiras, como a inglesa e espanhola. Importante ressaltar que esta é a grade curricular básica, sendo que, de acordo com as demandas regionais, individuais dos grupos de alunos e infraestrutura física e de recursos humanos, são acrescidas novas disciplinas, como, por exemplo, ensino religioso e informática.
A fase do Ensino Fundamental é dividida em duas subfases: Ensino Fundamental I, correspondente aos anos 1, 2, 3, 4 e 5; e o Ensino Fundamental II, correspondente aos anos 6, 7, 8 e 9. Ao longo do Ensino Fundamental I, via de regra, há um professor que fará o acompanhamento dos alunos em todas as disciplinas; enquanto no Ensino Fundamental II, há um professor para cada disciplina, gerando alteração na dinâmica que acompanhará o restante de todas as etapas curriculares. O ano escolar é composto por 200 dias, sendo que as escolas responsáveis pelo Ensino Fundamental devem oferecer, no mínimo, 800 horas de atividades anuais.
Por fim, o Ensino Médio, é a etapa realizada após a conclusão do Ensino Fundamental e possui duração de 3 anos. Ao longo dos 3 anos, a carga horária mínima é de 2200 horas-aula. A grade curricular básica é composta
por: Português - além do idioma oficial do Brasil, será estudado também a Literatura Portuguesa e Brasileira -, língua estrangeira - predominância do inglês, mas, em alguns casos, há o estudo do espanhol e francês, história, geografia, matemática, física, química, biologia, filosofia e sociologia.
Com a compreensão do escopo abarcado, dedica-se a explanação acerca dos principais desafios e soluções existente para o futuro contexto do ambiente escolar. Como o Brasil ainda não retomou as atividades educacionais, será tomado como referências outros países, cujas iniciativas para o retorno das aulas já foram traçadas. Nesse sentido, cabe ressaltar que sem planos robustos e baseados em evidências, um rápido retorno à escola só aumentará a insegurança já existente perante esse contexto. O sério desafio é que um grande número de estudantes que retornam à escola poderia, de fato, ser portador do vírus, mas não apresentar sintomas óbvios. Apesar das medidas de distanciamento físico nas escolas, o simples ato de conviver com outras pessoas pode levar a um aumento acentuado da transmissão.
Vale destacar dois campos onde as mudanças serão essenciais para a possibilidade de retorno dos estudantes: o primeiro se refere ao campo comportamental, incluindo a rotina desempenhada nas escolas; enquanto o segundo se destina ao ambiente físico propriamente dito. Por esses vieses, cabe ressaltar que as instituições educacionais são sistemas sociais que reforçam o desempenho acadêmico dos alunos, bem como moldam o desenvolvimento social e emocional destes. A Educação Básica desempenha papel de apoio aos alunos à medida que desenvolvem as habilidades sociais e emocionais essenciais para a vida em sociedade com a inclusão do desenvolvimento de mecanismos de enfrentamento saudáveis, resiliência e o alcance de objetivos educacionais e de vida.
Inclusive, a configuração física das salas de aula e das escolas contribui para a aprendizagem dos alunos. Portanto, as mudanças a serem delimitadas não se restringem ao campo educacional, já que as consequências trarão fortes reflexos na vida dos envolvidos.
A princípio, cabe destacar que algumas crianças e jovens terão sofrido com perdas humanas durante o confinamento, devido a coronavírus ou outras doenças. Para outros jovens, houve outros tipos de perda - por exemplo, pais que foram afastados ou perderam o emprego, uma mudança de casa e/ ou escola pela impossibilidade de manutenção dos gastos existentes até então, ou podem ter experimentado isolamento a longo prazo de figuras importantes em sua vida, como
avós. Independentemente do tipo de perda, sabe-se que todos os alunos, de uma forma geral, estarão em um momento peculiar de suas vidas e podem apresentar comportamento diferente daquele existente até o período de isolamento. Portanto, vale contar com um profissional especializado na área de psicologia destinada ao público-alvo em questão de forma que hajam orientações coletivas e individuais para o entendimento das novas circunstâncias e o desenvolvimento de estratégias adequadas para lidar com o período pós isolamento. Além disso, deve-se promover ferramentas que proporcionem maior proximidade entre os pais e os educadores.
Um segundo ponto a ser trabalhado refere-se à relação de confiança existente entre os alunos e a escola, já que as mudanças repentinas e sem precedentes que o isolamento impôs a todos, provavelmente, deixaram muitas crianças e jovens se sentindo incertos sobre o futuro. Para alguns, será o medo de um segundo período de isolamento; para outros, um senso geral que coisas que costumavam parecer seguras e previsíveis, como a escola, podem não ser mais algo em que possam confiar. Essas ocorrências, podem gerar falta de confiança dos jovens perante aos adultos, o que também se recomenda que seja trabalhado por meio de apoio psicológico.
Além das questões de cunho psicológico, pode-se citar como terceiro ponto a necessidade de alteração comportamental e rotineira nas instituições educacionais, como, por exemplo, a redução do período letivo e do tempo de permanência em sala de aula. Principalmente no primeiro momento pós isolamento, os alunos não poderão interagir como faziam até então, já que se recomenda a divisão das turmas em grupos menores com o rodízio de participação nas aulas in loco somada à disposição das carteiras na configuração enfileirada, com maior distanciamento entre os alunos e com anteparos de proteção entre os mesmos. Outras medidas pontuais, como o ensinamento acerca do uso do álcool gel e a frequência da limpeza das salas de aula, serão constantes e corriqueiras no novo momento a ser vivenciado.
Assim, pode-se concluir que o período pós-isolamento acarretará medidas que não envolvem apenas questões físicas e materiais, como também aquelas de cunho comportamental e psicológico, que apresentam desafios variados e em diversas escalas.
REFERÊNCIAS
SIMIELLI, L. Coalizões em educação no Brasil: a pluralização da sociedade civil na luta pela melhoria da educação pública. 2007. 233 f. Dissertação (Mestrado) - Escola de Administração de Empresas, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2007.
UJVARI, Stefan Cunha. A história e suas epidemias. A convivência do homem ... Rio de Janeiro, Senac Rio; São Paulo, Senac São Paulo, 2003. 311p. ilus.
Ronaldo Fernandes do Vale Júnior é Educador, Consultor Educacional, Diretor, Gestor Pedagógico, Coordenador Pedagógico e Professor do Colégio Nossa Senhora de Sion.