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ARTIGOS

Gestão Educacional

Líderes empresariais voltam à escola por uma melhor governança corporativa

Este artigo aborda a experiência de educar conselheiros de administração a partir de princípios de natureza ética capazes de transformar nossa cultura empresarial e a própria sociedade.

 

Governança Corporativa trata da liderança das empresas. É conceituada como um sistema que congrega proprietários, executivos, conselheiros de administração e órgãos de controle, que definem rumos estratégicos e controlam a gestão executiva. Não é assunto apenas de grandes corporações. Nas empresas pequenas essas funções também existem, às vezes concentradas em uma ou algumas poucas pessoas, que são os “donos” ou sócios do empreendimento.

Quando a empresa cresce, às vezes, os “donos” se multiplicam e a governança fica mais complexa. Seja pela sucessão – filhos, filhas, genros, e noras dos sócios – seja pela entrada de novos sócios pela necessidade de mais capital, seja pela aquisição ou fusão com outras empresas, ou ainda, no caso das grandes organizações, pela abertura de capital ao mercado, o conhecido IPO da sigla em inglês. A essa maior complexidade, soma-se um crescente escrutínio pela sociedade sobre a cultura e valores das organizações em face dos recentes escândalos envolvendo algumas grandes empresas.

 

O Conselho de Administração

No cerne dessa complexa organização está o conselho de administração, um órgão colegiado que congrega representantes indicados pelos grupos societários e às vezes inclui conselheiros profissionais independentes. Em frequência usualmente mensal, esse órgão colegiado se reúne para definir estratégias e fiscalizar o desempenho da direção executiva.

 

A função dos conselhos de administração existe há séculos. Os jovens guerreiros tupis consultavam os velhos da tribo antes de cada batalha. Os jovens faziam a guerra, os veteranos a orientavam. No Brasil de hoje, a lei das sociedades anônimas, em vigor há mais de 40 anos, define com precisão o papel dos conselheiros de administração, cuja responsabilidade é equiparada à dos diretores.

Na prática, conselhos de administração só recentemente começaram a ser levados a sério no Brasil. Um grande estímulo ao desenvolvimento da governança corporativa surgiu em 1994, com o Plano Real, que marcou o fim da primeira “década perdida”, e com os programas de desestatização e o retorno dos investimentos produtivos no país. Em 1995 foi criado o IBGC - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, originalmente Instituto de Conselheiros de Administração, uma organização sem fins lucrativos, responsável pela produção do primeiro Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa. Em paralelo, a CVM - Comissão de Valores Mobiliários se modernizou, a Bolsa de Valores lançou o Novo Mercado, um segmento de listagem das empresas de melhor governança, e os investidores institucionais se tornaram mais ativos na defesa de acionistas minoritários. Com essa convergência de esforços, aos poucos os conselhos de administração se institucionalizaram e os conselheiros se profissionalizaram.

 

Educando conselheiros

A demanda por conselheiros profissionais cresceu. Além de experiência na alta administração, o conselheiro profissional precisava conhecer e praticar a boa governança. Mesmo bons profissionais precisavam voltar para a escola. Iniciativas pioneiras passaram a oferecer cursos de governança. Por exemplo, a Fundação Dom Cabral desenvolveu programas pioneiros de desenvolvimento de acionistas de empresas familiares, e o IBGC cursos específicos para conselheiros de administração baseados em seus Códigos das Melhores Práticas de Governança Corporativa. Hoje diversas instituições educacionais de ponta oferecem cursos ou módulos de governança em suas grades curriculares, em geral na pós-graduação.

 

Como ensinar novos conceitos, princípios e boas práticas a alunos maduros, experientes, bem-sucedidos, autoconfiantes, impacientes, e, na sua maioria, financeiramente independentes? A solução encontrada pelo IBGC foi montar um programa com instrutores de mesmo perfil, que atuam como facilitadores e não apenas como expositores de conteúdo. O objetivo é aproveitar a inteligência coletiva da classe em discussões de caso e vivência de papéis (role plays).  Um exemplo consiste na simulação de uma reunião de conselho, em que alunos são sorteados como atores e incorporam o papel de conselheiros indicados por diferentes grupos de acionistas. Os conselheiros devem decidir sobre como melhorar a governança da empresa para aumentar a chance de sucesso de uma abertura de capital (IPO), mas todos têm algum tipo de conflito de interesse que afeta negativamente seu julgamento. A reunião de conselho tem a duração de 60 minutos, tempo frequentemente insuficiente e muito ilustrativo da dificuldade de tomar decisões colegiadas.

Como conselheiros devem ser generalistas, mais do que especialistas, o syllabus do curso foi desenvolvido em conjunto por praticantes de governança de diversas especialidades e contou ainda com uma relevante colaboração do Banco Mundial e da OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, através de programas “training of trainers”.

A receptividade dos cursos para conselheiros excedeu as expectativas.  Desde o primeiro curso pioneiro, há exatos 20 anos, mais de 20.000 alunos frequentaram cursos e palestras do IBGC, voltados exclusivamente à governança das organizações. Embora o perfil dos frequentadores seja diversificado, as classes para conselheiros de administração mantém uma média de idade consistentemente em torno de 50 anos. Essa é uma idade em que se alcança maturidade como executivo, mas ainda se é jovem para ocupar cargos em conselhos de empresas, onde conta mais a maturidade emocional e diversidade de experiências do que a energia dos jovens. Notável ainda é a crescente presença feminina, e já houve curso com maioria de alunas.

O que atrai esses alunos? Em primeiro lugar, o alinhamento com a causa da boa governança implícita em seus princípios de transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade social. Assim como nos anos ‘90 uma geração de líderes empresariais, frustrada com as mazelas da década perdida dos anos ‘80 se viu compelida a melhorar as empresas, tornando-as mais transparentes e atraentes a investidores, a geração madura de hoje acrescenta uma crescente intolerância com as práticas de corrupção em todas as esferas do governo e grandes empresas, que frustram o sonho de alcançarmos maior desenvolvimento econômico e social no país. Em segundo lugar, o aluno percebe a necessidade de desenvolver uma rede de contatos (network) capaz de facilitar uma “segunda carreira” nas empresas, que valorizam conselheiros profissionais experientes e independentes. Finalmente, em terceiro lugar e não menos importante, está o interesse em aprender novas habilidades profissionais em ambiente colegiado, diferente do ambiente do tipo chefe-subordinado, característico de organizações do tipo hierárquico.

 

Próximos passos

Vivemos uma crise de governança no país. Temos empoderado lideranças oportunistas, despreparadas para administrar os recursos da sociedade e habituados a colocar seus objetivos pessoais à frente dos interesses coletivos. As páginas de política e economia de nossos principais jornais parecem crônicas policiais. A sociedade, impotente, se queixa da falta de perspectivas. Não constitui surpresa a ênfase atual em questões de compliance, embora governança corporativa seja assunto muito mais abrangente do que programas de conformidade e controle gerencial.

 

Em termos de governança, o setor privado se encontra bem à frente do setor público. Habituados a se ajustar em ambiente turbulento, milhares de empresários, conselheiros profissionais e executivos já perceberam que melhores práticas de governança geram valor sustentável no longo prazo e constituem uma defesa contra atalhos nas regras de boa conduta. “Melhores empresas para uma melhor sociedade” é o lema do Banco Mundial.

 

O conteúdo programático dos cursos IBGC evoluiu com o ambiente. Inicialmente voltado a empresas, que são os principais motores de criação de riqueza de um país, cresceu com programas voltados também a organizações do terceiro setor, associações, cooperativas e, mais recentemente, a empresas de economia mista. Esperemos que a disseminação da boa governança influencie aos poucos a gestão do setor público, onde também atuam milhares de bons profissionais desejosos de contribuir para uma sociedade melhor e para o qual os mesmos princípios universais de boa governança se aplicam.

 

Leonardo Viegas é Cofundador e Conselheiro de administração do IBGC, e será palestrante no II FÓRUM DE GOVERNANÇA CORPORATIVA EM EDUCAÇÃO.

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