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Zeitgeist do século XXI: algoritmo rei!
Você já parou para pensar porque está se tornando cada vez mais difícil entender o que está acontecendo no mundo? Podemos listar uma sequência de situações que inicialmente pareciam fatos isolados e sem grandes consequências, mas, que, repentinamente, tomaram proporções enormes, impactando países, e, em muitos casos, gerando efeitos globais – pequenas manifestações que deram origem ao grande movimento Primavera Árabe; o resultado inesperado da votação do BREXIT no Reino Unido; a candidatura desacreditada de Donald Trump que o elegeu presidente dos USA, processo que se repetiu na eleição de Jair Bolsonaro no Brasil; e assim por diante. Um exemplo desses, que nós brasileiros recentemente sentimos na pele, foi a greve dos caminhoneiros em maio de 2018 – como o governo não conseguiu prever os impactos que essa greve traria para o país? E porque foi tão difícil chegar a uma solução? Se a greve durasse mais alguns dias, provavelmente o país entraria em estado crítico, colapso econômico e social – mas, ainda assim, por mais grave que fosse o cenário e, por mais vontade que todas as partes tivessem de chegar a um acordo, a sensação geral era de impotência, sem conseguir entender como encontrar um caminho de negociação dentro do caos que se estabelecia.
No âmbito pessoal, situações que não tinham a menor importância no passado, hoje são motivos de separação – começamos a nos sentir agredidos por assuntos que, antes, eram combustível para discussões ricas e divertidas. Passamos a nos surpreender com comportamentos e ideias de amigos e familiares, rejeitando-os, ao invés de abraça-los. O que mais se ouve de todos os lados é “como uma pessoa tão culta e inteligente pode pensar e agir dessa forma?”. Polarizamos, ao invés de negociarmos, e abrimos espaço para Fake News e pós-verdade reinarem – passamos a preferir mentiras confortáveis do que verdades inconvenientes. Quando a opinião passou a valer mais do que fatos? Quando o combustível do diálogo criativo virou explosão destrutiva? Quando e porque trocamos a dança que dialoga por guerras ideológicas? Paradoxalmente, estamos cada vez mais conectados, mas, ao mesmo tempo, cada vez mais separados. Enquanto a tecnologia cria cada vez mais estruturas que nos unem, nós criamos cada vez mais muros psicológicos e tabus que nos dividem.
Esse mesmo contexto embaçado que dificulta a nossa visão acontece também com o mercado, com as empresas, com os negócios! Notícias como a recentemente divulgada pelo Business Insider, “As 25 startups mais valiosas que morreram no ano passado”, mostra que a crença em ideias que chegaram a valer milhões de dólares (em alguns casos, bilhões) estavam equivocadas – ou seja, mesmo os maiores experts do mercado, os maiores investidores, e indivíduos extremamente inovadores têm sofrido da mesma dificuldade de compreender o que está acontecendo e como. Poucas são as organizações que têm navegado o cenário atual conseguindo enxergar sua estrutura formadora, que determina resultados e sucesso. Esse fenômeno é facilmente observado quando se analisa os gigantes da internet nos últimos 20 anos (imagem a seguir): note-se que a maioria dos gigantes pioneiros de 1998 perdeu espaço ou desapareceu rapidamente, enquanto empresas tradicionais do mundo analógico como Disney, Turner CBS News e Walmart se fortaleceram, passando a figurar no topo hoje.
Enfim, o que será que alguns poucos enxergam para navegar com sucesso no mundo atual e que a maioria das pessoas e empresas não consegue ver? Qual é a estrutura que rege nossa realidade e que determina o Zeitgeist atual? A resposta para essas perguntas não é única e nem fácil, e só pode ser obtida por meio da lente da complexidade – essa é a “mão invisível” que hoje predomina determinando os resultados nas nossas vidas, relacionamentos, negócios e países.
A complexidade faz com que não existam mais soluções simples polarizadas – zero ou um, branco ou preto, sim ou não –, e isso dificulta uma “visão” fácil de predição de causa-efeito sobre os acontecimentos. A complexidade reduz certezas e desestabiliza constantemente o status quo, causando o frequente estado de surpresa, irritação, impotência naqueles que não a percebem. Quanto mais complexo se torna um ambiente, mais sofisticadas devem ser as pessoas e instituições que nele atuam, para conseguirem enxergar as soluções ocultas, presentes nas profundezas dos infinitos tons de cinza, ao invés de sucumbirem com as escolhas aparentemente fáceis e equivocadas da superfície polarizada entre extremos óbvios.
Vivemos, sem dúvida alguma, a era mais complexa da história da humanidade, e compreender e navegar a alta complexidade vigente são condições fundamentais, não apenas para o sucesso, mas também, e principalmente, para a sobrevivência de qualquer pessoa, empresa ou instituição. Vejamos, então, a complexidade dos nossos tempos.
Complexidade na Era Digital
A complexidade de algo é definida pela quantidade de partes que o formam e/ou de conexões entre essas partes. Quanto maior a quantidade de partes e/ou conexões de interação entre elas, maior a complexidade do sistema. Quanto mais complexo se torna um sistema, mais ele passa a ser governado por regras locais do que por instruções hierárquicas superiores. Em outras palavras, quanto mais complexo se torna algo, menos controle e previsibilidade externa se tem sobre ele – e a única solução para se atuar nesse tipo de sistema é fazer parte dele, interagindo com as suas demais partes. Sistemas complexos possuem vida própria que emerge de suas partes e, assim, não podem ser comandados por nenhuma delas isoladamente. Por esse motivo, quando as mídias sociais digitais entraram no mercado no início do século XXI, aumentando a quantidade de partes nas conversas – plataformas, tecnologias e pessoas --, elas ampliaram também, dessa forma, o grau de complexidade do ambiente de diálogo entre as pessoas/consumidores e as marcas/organizações. Assim, para que as marcas continuassem a ter sucesso com os seus públicos, foi necessário passar de agente controlador e emissor da mensagem, para agente participante e colaborador nas conversas. Empresas que entenderam esse aumento de complexidade e mudança de zeitgeist tiveram sucesso, as que não conseguiram acompanha-lo, sofreram ou sucumbiram.
No entanto, esse foi apenas um dos incontáveis momentos em que tivemos um aumento de complexidade ao longo da história da humanidade. A complexidade no planeta tem crescido constantemente em função da evolução tecnológica desde o início dos tempos – o uso/aplicação/existência de uma nova tecnologia recria a realidade e, cada vez que isso acontece, causa um aumento de complexidade no mundo. O fogo, por exemplo, nos deu meios melhores para nos defendermos, criando e recriando civilizações; criou novas maneiras de manipularmos e consumirmos alimentos, otimizando a nossa existência; a combinação desses impactos transformou a humanidade tanto social quanto biologicamente. Por outro lado, o domínio do fogo também reestruturou a relação de poder entre os indivíduos e comunidades, aumentando possibilidades, e consequentemente também, a complexidade. Quando um avanço significativo de tecnologia (ou grupo de tecnologias) acontece, vivenciamos uma transformação sensível no Zeitgeist. Considerando apenas a história recente da humanidade, cada revolução industrial causou um aumento gradativo de complexidade no mundo, alterando o Zeitgeist do respectivo período, culminando no atual, caracterizado por altas velocidade, volatilidade, complexidade e ambiguidade (VUCA).
Em terra de Complexidade, que tem Algoritmo é rei!
Se em um primeiro momento, o surgimento e proliferação de canais digitais de comunicação – mídias sociais, instant messengers, video calls, etc – ampliaram as conexões entre as pessoas e aumentaram a complexidade do cenário, hoje, o contexto é muito mais complexo e desafiador. A evolução das tecnologias digitais na última década tem contribuído profundamente para escalar o grau de complexidade atual:
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multiplicação dos canais digitais de comunicação e interação, ampliando consequentemente a quantidade e o volume de informação do ambiente de negócios;
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surgimento de agentes conversacionais digitais (chatbots, por exemplo) – novos indivíduos, “seres digitais” – que passam a existir e se somam aos seres humanos na criação e gestão de diálogos, aumentando assim a quantidade de peças no sistema (em que novas partes digitais podem ser adicionadas a qualquer momento, indefinidamente);
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utilização de sistemas inteligentes de gestão de todos os tipos de fluxos informacionais (comunicação, transações, movimentações, etc), acrescentando um novo tipo de “inteligência” de interação nos processos.
Nesse nível crescente de grau de complexidade, o cérebro humano não consegue dominar a avalanche informacional instaurada e analisar o intricado e infindável número de interações e seus efeitos presentes no sistema. É justamente por isso, que tem se tornado tão difícil enxergar o que acontece no mundo mais complexo em que vivemos, e antever efeitos e consequências – a “mão invisível” que tudo controla. Por isso, aqueles que tentam compreender o mercado com ferramentas tradicionais, ou utilizando apenas o seu cérebro humano, não conseguem mais enxergar caminhos para traçar estratégias e planejar resultados. Apenas aqueles que utilizam tecnologias digitais para ampliarem sua “visão” é que estão obtendo sucesso.
Assim, se por um lado a tecnologia é responsável pelo aumento da complexidade no mundo, por outro, ela é também a única arma que possuímos para combater e vencer essa complexidade crescente. Para enxergarmos em tempos complexos, precisamos abraçar a tecnologia e usar algoritmos inteligentes, que nos ajudem a navegar, entender e extrair sentido do big data para obtermos resultados.
Em tempos complexos, os algoritmos digitais inteligentes são o grande poder que nos permite ver e atuar estrategicamente. Eles estão reestruturando o mundo que conhecemos e determinando cada vez mais o ritmo e a cor dos nossos tempos. E você está preparado para o zeitgeist digital?
Martha Gabriel é considerada um dos principais pensadores digitais brasileiros e foi palestrante no GEduc 2019 - XVII Congresso Brasileiro de Gestão Educacional.